O Caso da Rua do Corvo
- 23 de abr.
- 2 min de leitura

Na rua do Corvo, escura e vazia,
Um corpo foi achado ao nascer do dia.
Sem sangue, sem marcas, sem agressão,
Com olhos abertos em contemplação.
Chamaram um homem de olhar sombrio,
Detetive antigo, da alma em desvio.
"Há algo de estranho", foi seu pensar,
"Alguém quis a morte dissimular."
A vítima era um tal senhor Vicente,
Um velho caduco, mas inteligente.
Muitos diziam que ouvia a lua
E escrevia cartas para todos da rua.
Em sua gaveta, um jogo de cartas,
Algumas queimadas, outras ocultas.
Havia um bilhete num tom cruel:
"Sabes demais. Te espero no céu."
Nenhum sinal de arrombamento,
Nenhum barulho, nenhum lamento.
Mas sobre a mesa, cálice derramado
E do lado um livro aberto e rasgado.
Na contracapa, um nome à caneta,
Igual ao riscado de sua caderneta.
O detetive murmurou, focado:
“Um nome riscado é um nome enterrado.”
Visitou vizinhos, todos em pranto.
Mas algo soava forçado e tanto.
Um gato miava sem parar,
Sempre ao mesmo ponto a farejar.
Era no jardim, sob a roseira,
Que o chão escondia a merendeira.
Sumira, mas a história ficou em sigilo,
A coisa toda foi um grande vacilo.
Ali enterrada, uma bengala torta,
Com o sangue encontrado na porta.
Fios de cabelo, um grisalho, outro fino
Ligavam alguém ao mesmo destino.
A esposa falecida, diziam: “sumiu”.
Mas sua aliança ninguém viu.
No porão, o detetive vasculhou
Um diário de amor que se apagou.
Nas folhas, palavras como "vingança",
"Eterno retorno" e "última dança".
E uma foto rasgada ao meio
De um rosto encostado junto ao seio.
Espantado ele viu, com estranha dor,
O homem na imagem — o investigador.
Mesmo chapéu, mesmo olhar fechado,
Mesma cicatriz num tom avermelhado.
Voltou à sala, trêmulo e só,
Com um frio que gelava até o pó.
Tocou o espelho do corredor...
A imagem se foi — total terror.
Na parede do quarto, escrito a batom:
"A vida, é ruído sem claro tom.
Tu és Vicente, esqueceste quem?
Bem-vindo de volta, és tu também."
E então entendeu — era ele, afinal,
O morto, o louco, no caso criminal.
Revivia o crime a cada manhã,
A história já não lhe era estranha.
Na velha esquina da Rua do Corvo,
Um caso esquecido ainda é novo.
Cada ladrilho parece acusar
Quem ousa por lá investigar.
Escrevi esta crônica especialmente para a Antologia: Momentos de Fé, pensando nas vezes em que a fé apareceu para mim sem grandes anúncios. Aquelas ocasiões em que ela não gritou, mas sussurrou. Não chegou com luzes, mas com silêncios. O texto busca acolher quem já esperou no escuro, quem já sorriu em meio à dor. Ele fala sobre pequenos milagres que passam despercebidos. É uma crônica para lembrar que, mesmo quando não vemos, algo nos segura. É também um convite para que cada leitor reconheça, na própria história, os traços sutis daquilo que o sustentou sem que ele percebesse. Espero que esta crônica alcance o coração de quem precisa lembrar que a fé ainda vive. Que o invisível, ainda segura. E que, mesmo sem entender tudo, ainda vale a pena acreditar.
Que a graça, a paz e a fé estejam sempre com vocês.
Carinhosamente, Adriana Costa Reis.



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