O Gato Pardo e a Lua Distante
- 30 de mar.
- 3 min de leitura
Atualizado: há 3 dias

Por Adriana Costa Reis
No alto do muro, num salto ligeiro,
O gato pardo se lança ao telhado,
Com olhos brilhantes e andar altaneiro.
Segue um sonho já tão desejado.
Lá no céu, tão fria e breve,
Brilha altiva, intocável luz,
Fascinado, espera que venha a ele,
Mas ela, orgulhosa, nunca reluz.
“Musa dos céus, rainha da noite”—
Grita anelante com ar encantado—
“Ouça meus versos, meu triste açoite,
Desça um instante neste telhado.”
A lua zomba, tão clara e distante,
Veste-se de névoa, some no ar:
“Gato da terra, sou luz errante,
Não fui feita para amar.”
Segue o tempo num ciclo eterno,
O felino espera, o satélite se esquiva,
Mas todo desejo, por mais moderno,
Vive na chama que o cativa.
E assim, em toda madrugada,
O gato sonha e continua a miar,
Na ânsia de um dia ver sua amada,
Sem nunca jamais poder lhe tocar.
Nota da Autora
O Gato Pardo e a Lua Distante foi premiado e publicado na coletânea Tudo é Poesia Volume 2. É um poema narrativo que fala de um movimento unilateral, um drama de busca sem reciprocidade. Evoca o espírito do gênero fábula, com moral implícita. Ele se insere na tradição dos amores platônicos, um amor que nunca se realiza, mas que persiste como força interior, idealizado e cheio de ilusões, capaz de sustentar o espírito de quem deseja, mesmo na ausência absoluta do outro. O gato pardo representa o sujeito desejante, uma síntese poética do humano que sonha alto, do artista que mira o impossível, do amante que se apaixona pelo que brilha, mas não desce ao mundo concreto. A lua, por sua vez, surge como o arquétipo da distância: fria, altiva, incorpórea, “não feita para amar”. Ela simboliza o objeto de desejo idealizado e, portanto, naturalmente frustrante.
Toda a cena sugere uma coreografia de aproximação e fuga, na qual há um quê do mito de Sísifo, que conta a história de um personagem da mitologia grega condenado pelos deuses a empurrar, por toda a eternidade, uma pedra enorme montanha acima. Sempre que alcançava o topo, a pedra rolava de volta, obrigando-o a recomeçar sem descanso e sem esperança de conclusão. Sísifo tornou-se símbolo da condição humana, marcada por esforços repetidos e desejos que nunca se completam. Ele representa a luta contínua, o esforço que se renova mesmo quando o resultado jamais se realiza, uma metáfora perfeita para o desejo impossível, para a persistência que nos move e, ao mesmo tempo, nos aprisiona. No poema, a esperança move o gato, mas o mantém preso ao mesmo lugar. A lua continua distante, e ele, cativo dessa distância, permanece fiel a um anseio que nunca se cumpre.
À luz desse poema-fábula, talvez reste ao leitor, e a mim, reconhecer que nem tudo o que brilha foi feito para ser tocado. No campo do amor, é sábio escolher aquilo que também nos escolhe, o que nos oferece reciprocidade e chão, e não apenas fascínio distante. Amar o inatingível pode ser poético, mas é no amor possível que o coração encontra repouso e verdade. Já os sonhos, estes sim merecem ser buscados, pois movem a vida para frente, porém, mesmo eles pedem discernimento. Há sonhos que expandem, e há sonhos que nos consomem. Que saibamos, então, perseguir aqueles que nos fazem crescer sem nos perdermos e deixar ir os que transformam nossa esperança em cárcere. Devemos aprender a distinguir entre o que vale o salto e o que apenas nos mantém reféns da própria aspiração. Aceitar que algumas buscas encontram limite é forma de cuidado consigo.
Graça, paz e pés no chão a todos!
Adriana Costa Reis



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