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O Invisível Nos Segura

  • 23 de abr.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 5 de jul.


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Há dias em que a fé escapa pelos dedos, feito água que insiste em correr para longe mesmo quando a queremos perto. E há outros em que ela nos segura pelas mãos trêmulas, olha dentro de nós — mesmo quando desviamos o olhar — e sussurra: “Vem, eu te levo”. A fé tem esse dom de surgir quando tudo parece desabar, no exato instante em que o chão se desfaz sob os pés. Nem sempre chega como um clarão, uma revelação gloriosa. Muitas vezes, vem na forma de um silêncio que acolhe, de um gesto inesperado que abranda a alma, de uma lembrança que aquece o peito em meio ao caos. Às vezes, se esconde nos detalhes que quase ignoramos. E, quando menos percebemos, ela já está ali, em nós, silenciosa e firme, como quem nunca partiu.

Não sei você, mas já vivi muitos desses encontros com a fé. Alguns nasceram em quartos escuros, onde a única companhia era o som dos próprios pensamentos. Outros surgiram em salas de espera com relógios que zombavam da minha ansiedade, enquanto eu contava os segundos como se fossem centelhas de esperança. Já encontrei a fé no olhar de alguém que sorria em meio à dor, em bilhetes e flores desidratadas esquecidas em livros, ou até mesmo nas pequenas preces sussurradas entre lágrimas. Já vi a fé brotar de um abraço, de uma notícia inesperada, de uma música antiga que tocava no rádio justo quando eu precisava lembrar que o mundo ainda podia ser bonito. A fé, nesses momentos, não precisava se anunciar — ela apenas acontecia, e bastava isso para mudar tudo.

A fé, diferente do que muitos pensam, não é sempre barulhenta. Ela não grita, não exige holofotes, nem precisa ser explicada. Às vezes, é tão discreta que só percebemos sua presença depois que tudo passa e o silêncio revela aquilo que nos sustentou sem alarde. Ela se esconde em gestos cotidianos, sim, disfarça-se de rotina, veste-se de afeto e preenche os vazios com mãos invisíveis. Fé é presença sutil, mas incontestável. Não é ausência de dúvidas, mas a decisão de seguir apesar delas. Não é certeza do porvir, é entrega no caminho. É continuar mesmo sem saber o próximo passo. É fechar os olhos e pular, confiando que o chão vai estar lá — ou, quem sabe, que aprenderemos a voar.

Ter fé não é saber todas as respostas, tampouco esperar que a vida nos poupe dos ventos contrários. É caminhar mesmo sem ver o fim da estrada, é confiar mesmo quando tudo ao redor nos convida a desistir. É dizer “amém” mesmo com a alma cheia de dúvidas. Fé é esse fio invisível que liga o hoje ao amanhã, que nos segura quando o medo quer nos paralisar. Ela não evita os tropeços, mas nos ensina a levantar. Nos faz recomeçar quando tudo já parecia encerrado. Nos ensina a esperar sem endurecer o coração, a amar sem garantias, a plantar sem pressa de colher. É essa confiança serena de que, mesmo sem entender tudo, seguimos sendo amparados por algo maior do que nós. E é essa força mansa, mas persistente, que nos sustenta quando já não temos mais onde nos segurar. Porque a fé não nos tira do mundo — ela nos permite habitá-lo com um pouco mais de luz.

Lembro-me de um momento especial, daqueles que a gente guarda na gaveta da alma. Era um dia cinza, e eu me sentia tão carregada quanto o céu nublado. A chuva batia na janela como quem chora em silêncio. Estava cansada, sem rumo. O mundo parecia suspenso por um fio, e eu sentia que esse fio estava prestes a se romper. Foi quando minha filha, ainda pequena, me olhou com olhos doces e disse: “Mamãe, vamos orar?”. Não era um pedido. Era um milagre disfarçado de voz de criança. Era a fé me chamando de volta para casa. Fé é isso. É uma ponte invisível, silenciosa, que atravessa nossos medos e nos leva a um lugar onde a esperança floresce. É esse instante entre o medo e a coragem. É o intervalo entre a queda e o recomeço. É o que sustenta os dias ruins e colore os bons com gratidão.

Tem gente que a encontra na igreja, outros no canto do ônibus, olhando o céu entre prédios. Há quem precise do silêncio, como o dos mosteiros, e há quem a ouça nos gritos de um campo de futebol. Há quem a descubra nos olhos de alguém. Ela pode nascer de uma saudade, de um abraço, de uma perda. A fé é assim: se revela onde menos se espera. Por isso, aprendi a colecionar esses momentos. Não em fotos, nem em vídeos, mas na memória do coração. Cada um deles me lembra que, apesar das tempestades, há sempre um sol disposto a nascer de novo. A fé, no fundo, é isso: não nos poupa da dor, mas nos sustenta em meio a ela. Nos atravessa com ela e, ao final, nos devolve inteiros, mesmo quando achávamos que já tínhamos nos despedaçado. Quando tudo parece esmorecer, ela nos lembra, com sua delicadeza firme, que ainda vale a pena acreditar.

O Invisível nos segura e, sim, vale a pena A-CRE-DI-TAR!


Nota da Autora

Escrevi esta crônica especialmente para a Antologia: Momentos de Fé, pensando nas vezes em que a fé apareceu para mim sem grandes anúncios. Aquelas ocasiões em que ela não gritou, mas sussurrou. Não chegou com luzes, mas com silêncios. O texto busca acolher quem já esperou no escuro, quem já sorriu em meio à dor. Ele fala sobre pequenos milagres que passam despercebidos. É uma crônica para lembrar que, mesmo quando não vemos, algo nos segura. É também um convite para que cada leitor reconheça, na própria história, os traços sutis daquilo que o sustentou sem que ele percebesse. Espero que esta crônica alcance o coração de quem precisa lembrar que a fé ainda vive. Que o invisível, ainda segura. E que, mesmo sem entender tudo, ainda vale a pena acreditar. 

Que a graça, a paz e a fé estejam sempre com vocês.

Carinhosamente, Adriana Costa Reis.
 
 
 

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"6 Orai pela paz de Jerusalém; prosperarão aqueles que te amam.

7 Haja paz dentro de teus muros, e prosperidade dentro dos teus palácios.

8 Por causa dos meus irmãos e amigos, direi: Paz esteja em ti.

9 Por causa da casa do Senhor nosso Deus, buscarei o teu bem."
Salmo 122

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